segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Os Melhores Filmes de 2021 - The Power of the Dog (Ataque dos Cães)

“Livrai a minha alma da espada; minha querida do poder do cão".

Esta citação do salmo da bíblia do Rei James é a chave para a compreensão da história. Sem entrar muito em spoilers, a frase traduz o confronto de Peter, o aparentemente frágil filho de Rose, com Phil Burbank, que seria o próprio "cão", cuja postura homofóbica e misógina ameaça a própria existência do jovem e, especialmente, da sua mãe. 

Um parênteses: o título nacional dá uma falsa impressão de que haveriam literalmente cachorros na história, o que acabaria atraindo o público errado e afastando o capaz de compreender suas nuances sutis.

O personagem de Benedict Cumberbatch é um dos mais multifacetados do cinema mainstream dos últimos anos. De família de ricos fazendeiros, formado com destaque na prestigiosa Yale, Phil volta para cuidar de suas terras ao lado do irmão sob a máscara de um personagem que ele criou para sobreviver aos próprios preconceitos. 

O Phil fazendeiro é grosseiro, sujo e desagradável. Quando o irmão se casa e o equilíbrio do ambiente se desfaz, ele radicaliza sua postura e passa a atacar diretamente a cunhada intrusa, que aos poucos sucumbe. 

Quando o garoto retorna em férias da faculdade, logo percebe o perigo que sua mãe corre e se aproxima do inimigo para entendê-lo e tentar neutralizá-lo. Aos poucos descobre suas fraquezas e passa a miná-las, aproveitando-se das semelhanças que o desarmam.

Jane Campion é uma cineasta sensível, que faz aqui um de seus melhores trabalhos, desde o roteiro, baseado no livro de Thomas Savage, à direção inspirada, que mantém sempre a tensão no ar. 

Tecnicamente impecável, com destaque para a linda fotografia da australiana Ari Wegner, que apesar das amplas paisagens abertas, ainda assim parece claustrofóbica. E ainda a trilha sonora de Jonny Greenwood, igualmente tensa.

Mas, claro, o ponto alto está no elenco, notadamente na cuidadosa seleção do casting. Cumberbatch - em seu melhor trabalho - de traços finos e pálidos, parece deslocado, como Phil de fato deveria estar. Ao contrário do personagem de Jesse Plemons, tão à vontade naquele ambiente, que não tem problemas em demonstrar sua sensibilidade, mesmo sem ganhar destaque, é o centro de gravidade da história. Kirsten Dunst - igualmente em seu melhor - faz uma Rose frágil e destruída, incapaz de lidar com os confrontos. E a surpresa vem com Kodi Smit-McPhee, uma escolha ousada e perfeita. Seu Peter é quase um alienígena na aridez da vida rural, nunca é possível prever seu próximo passo. 

"The Power of the Dog" é meu favorito até agora para as premiações do ano. Não é um filme para todos os públicos, mas merece o esforço mesmo de olhos menos treinados.




quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Os Melhores Filmes de 2021 - Madres Paralelas


Pedro Almodóvar é um cineasta que foi claramente refinando seu cinema. De um início nada sutil, onde fazia questão de provocar até chegar a este perfeito Madres Paralelas, foram erros e acertos, mas sempre evoluindo.

Madres Paralelas é tanto sobre maternidade quanto sobre paternidade. As histórias aparentemente desconexas, na verdade amarram o drama atual até as raízes da dissolução da figura paterna, brilhantemente simbolizado por um chocalho desenterrado.

Tudo começa pela ditadura franquista, época de violenta perseguição política, mas também de roubo de crianças, onde quase 30 mil bebês teriam sido separados de "mães inadequadas". 

Penelope Cruz é Janis, uma mulher independente e bem sucedida, que ao mesmo tempo que sente a urgência em ser mãe, tenta se reconectar às suas origens. Ela conhece um arqueólogo forense casado e engravida dele, já sabendo das barreiras para a construção de uma família. 

Na maternidade conhece uma garota que representa a nova geração dessa verdadeira maldição histórica, filha de pais ausentes, prestes parir mais um bebê sem a figura paterna.

Desnecessário incensar o estilo do diretor, suas cores e diálogos cortantes, bem como a atuação impecável de Cruz e de todo elenco de apoio. O ponto principal aqui é o roteiro sofisticado que parece explicar e exorcizar mais de 50 anos de dores.

Madres Paralelas é um filme necessário, que, através dos temas sensíveis em que toca, pode e deve ajudar a curar as feridas ainda abertas de toda uma sociedade.